GRAFISMO INFANTIL UM DESAFIO!
ENTENDENDO O DESENHO INFANTIL!!
Autora: Thereza Bordoni
Os
primeiros estudos sobre a produção gráfica das crianças datam do final
do século passado e estão fundados nas concepções psicológicas e
estéticas de então. É a psicologia genética, inspirada pelo
evolucionismo e pelo princípio do paralelismo da filogênese com a
ontogênese que impõe o estudo científico do desenvolvimento mental da
criança (Rioux, 1951).
As
concepções de arte que permearam os primeiros estudos estavam calcadas
em uma produção estética idealista e naturalista de representação da
realidade. Sendo a habilidade técnica, portanto, uma fator prioritário.
Foram poucos os pesquisadores que se ocuparam dos aspectos estéticos dos
desenhos infantis.
Luquet
(1927 - França) fala dos 'erros' e 'imperfeições' do desenho da criança
que atribui a 'inabilidade' e 'falta de atenção', além de afirmar que
existe uma tendência natural e voluntária da criança para o realismo.
Sully
vê o desenho da criança como uma 'arte embrionária' onde não se deve
entrever nenhum senso verdadeiramente artístico, porém, ele reconhece
que a produção da criança contém um lado original e sugestivo. Sully
afirma ainda que as crianças são mais simbolistas do que realistas em
seus desenhos (Rioux, 1951).
São
os psicólogos portanto, que no final do século XIX descobrem a
originalidade dos desenhos infantis e publicam as primeiras 'notas' e
'observações' sobre o assunto. De certa forma eles transpõem para o
domínio do grafismo a descoberta fundamental de Jean Jacques Rousseau
sobre a maneira própria de ver e de pensar da criança.
As
concepções relativas a infância modificaram-se progressivamente. A
descoberta de leis próprias da psique infantil, a demonstração da
originalidade de seu desenvolvimento, levaram a admitir a especificidade
desse universo.
A maneira de encarar o desenho infantil evolui paralelamente.
Modo
de expressão próprio da criança, o desenho constitui uma língua que
possui vocabulário e sua sintaxe. Percebe-se que a criança faz uma
relação próxima do desenho e a percepção pelo adulto. Ao prazer do gesto
associa-se o prazer da inscrição, a satisfação de deixar a sua marca.
Os primeiros rabiscos são quase sempre efetuados sobre livros e folhas
aparentemente estimados pelo adulto, possessão simbólica do universo
adulto tão estimado pela criança pequena.
Ao
final do seu primeiro ano de vida, a criança já é capaz de manter
ritmos regulares e produzir seus primeiros traços gráficos, fase
conhecida como dos rabiscos ou garatujas ( termo utilizado por Viktor
Lowenfeld para nomear os rabiscos produzidos pela criança).
O
desenvolvimento progressivo do desenho implica mudanças significativas
que, no início, dizem respeito à passagem dos rabiscos iniciais da
garatuja para construções cada vez mais ordenadas, fazendo surgir os
primeiros símbolos Essa passagem é possível graças às interações da
criança com o ato de desenhar e com desenhos de outras pessoas. Na
garatuja, a criança tem como hipótese que o desenho é simplesmente uma
ação sobre uma superfície, e ela sente prazer ao constatar os efeitos
visuais que essa ação produziu. No decorrer do tempo, as garatujas, que
refletiam sobretudo o prolongamento de movimentos rítmicos de ir e vir,
transformam-se em formas definidas que apresentam maior ordenação, e
podem estar se referindo a objetos naturais, objetos imaginários ou
mesmo a outros desenhos. Na evolução da garatuja para o desenho de
formas mais estruturadas, a criança desenvolve a intenção de elaborar
imagens no fazer artístico. Começando com símbolos muito simples, ela
passa a articulá-los no espaço bidimensional do papel, na areia, na
parede ou em qualquer outra superfície. Passa também a constatar a
regularidade nos desenhos presentes no meio ambiente e nos trabalhos aos
quais ela tem acesso, incorporando esse conhecimento em suas próprias
produções. No início, a criança trabalha sobre a hipótese de que o
desenho serve para imprimir tudo o que ela sabe sobre o mundo. No
decorrer da simbolização, a criança incorpora progressivamente
regularidades ou códigos de representação das imagens do entorno,
passando a considerar a hipótese de que o desenho serve para imprimir o
que se vê.
É
assim que, por meio do desenho, a criança cria e recria individualmente
formas expressivas, integrando percepção, imaginação, reflexão e
sensibilidade, que podem então ser apropriadas pelas leituras simbólicas
de outras crianças e adultos.
O
desenho está também intimamente ligado com o desenvolvimento da
escrita. Parte atraente do universo adulto, dotada de prestigio por ser
"secreta", a escrita exerce uma verdadeira fascinação sobre a criança, e
isso bem antes de ela própria poder traçar verdadeiros signos. Muito
cedo ela tenta imitar a escrita dos adultos. Porém, mais tarde, quando
ingressa na escola verifica-se uma diminuição da produção gráfica, já
que a escrita ( considerada mais importante) passa a ser concorrente do
desenho.
O
desenho como possibilidade de brincar, o desenho como possibilidade de
falar de registrar, marca o desenvolvimento da infância, porém em cada
estágio, o desenho assume um caráter próprio. Estes estágios definem
maneiras de desenhar que são bastante similares em todas as crianças,
apesar das diferenças individuais de temperamento e sensibilidade. Esta
maneira de desenhar própria de cada idade varia, inclusive, muito pouco
de cultura para cultura.
Luquet Distingue Quatro Estágios:
2-
Realismo fracassado: Geralmente entre 3 e 4 anos tendo descoberto a
identidade forma-objeto, a criança procura reproduzir esta forma.
3-
Realismo intelectual: estendendo-se dos 4 aos 10-12 anos,
caracteriza-se pelo fato que a criança desenha do objeto não aquilo que
vê, mas aquilo que sabe. Nesta fase ela mistura diversos pontos de vista
( perspectivas ).
4-
Realismo visual: É geralmente por volta dos 12 anos, marcado pela
descoberta da perspectiva e a submissa às suas leis, daí um
empobrecimento, um enxugamento progressivo do grafismo que tende a se
juntar as produções adultas.
1
- Estágio vegetativo motor: por volta dos 18 meses, o traçado e mais ou
menos arredondado, conexo ou alongado e o lápis não sai da folha
formando turbilhões.
2
- Estágio representativo: entre dois e 3 anos, caracteriza-se pelo
aparecimento de formas isoladas, a criança passa do traço continuo para o
traço descontinuo, pode haver comentário verbal do desenho.
3
- Estágio comunicativo: começa entre 3 e 4 anos, se traduz por uma
vontade de escrever e de comunicar-se com outros. Traçado em forma de
dentes de serra, que procura reproduzir a escrita dos adultos.
Em Uma Análise Piagetiana, temos:
1
- Garatuja: Faz parte da fase sensório motora ( 0 a 2 anos) e parte da
fase pré-operacional (2 a 7 anos). A criança demonstra extremo prazer
nesta fase. A figura humana é inexistente ou pode aparecer da maneira
imaginária. A cor tem um papel secundário, aparecendo o interesse pelo
contraste, mas não há intenção consciente. Pode ser dividida em:
•
Desordenada: movimentos amplos e desordenados. Com relação a expressão,
vemos a imitação "eu imito, porém não represento". Ainda é um
exercício.
•
Ordenada: movimentos longitudinais e circulares; coordenação
viso-motora. A figura humana pode aparecer de maneira imaginária, pois
aqui existe a exploração do traçado; interesse pelas formas (Diagrama).
2 - Pré- Esquematismo: Dentro da fase pré-operatória, aparece a descoberta da relação entre desenho, pensamento e realidade. Quanto ao espaço, os desenhos são dispersos inicialmente, não relaciona entre si. Então aparecem as primeiras relações espaciais, surgindo devido à vínculos emocionais. A figura humana, torna-se uma procura de um conceito que depende do seu conhecimento ativo, inicia a mudança de símbolos. Quanto a utilização das cores, pode usar, mas não há relação ainda com a realidade, dependerá do interesse emocional. Dentro da expressão, o jogo simbólico aparece como: "nós representamos juntos".
3
- Esquematismo: Faz parte da fase das operações concretas (7 a 10
anos).Esquemas representativos, afirmação de si mediante repetição
flexível do esquema; experiências novas são expressas pelo desvio do
esquema. Quanto ao espaço, é o primeiro conceito definido de espaço:
linha de base. Já tem um conceito definido quanto a figura humana, porém
aparecem desvios do esquema como: exagero, negligência, omissão ou
mudança de símbolo. Aqui existe a descoberta das relações quanto a cor;
cor-objeto, podendo haver um desvio do esquema de cor expressa por
experiência emocional. Aparece na expressão o jogo simbólico coletivo ou
jogo dramático e a regra.
4
- Realismo: Também faz parte da fase das operações concretas, mas já no
final desta fase. Existe uma consciência maior do sexo e autocrítica
pronunciada. No espaço é descoberto o plano e a superposição. Abandona a
linha de base. Na figura humana aparece o abandono das linhas. As
formas geométricas aparecem. Maior rigidez e formalismo. Acentuação das
roupas diferenciando os sexos. Aqui acontece o abandono do esquema de
cor, a acentuação será de enfoque emocional. Tanto no Esquematismo como
no Realismo, o jogo simbólico é coletivo, jogo dramático e regras
existiram.
5
- Pseudo Naturalismo: Estamos na fase das operações abstratas (10 anos
em diante)É o fim da arte como atividade expontânea. Inicia a
investigação de sua própria personalidade. Aparece aqui dois tipos de
tendência: visual (realismo, objetividade); háptico ( expressão
subjetividade) No espaço já apresenta a profundidade ou a preocupação
com experiências emocionais (espaço subjetivo). Na figura humana as
características sexuais são exageradas, presença das articulações e
proporções. A consciência visual (realismo) ou acentuação da expressão,
também fazem parte deste período. Uma maior conscientização no uso da
cor, podendo ser objetiva ou subjetiva. A expressão aparece como: "eu
represento e você vê" Aqui estão presentes o exercício, símbolo e a
regra.
• De 1 a 3 anos
É
a idade das famosas garatujas: simples riscos ainda desprovidos de
controle motor, a criança ignora os limites do papel e mexa todo o corpo
para desenhar, avançando os traçados pelas paredes e chão. As primeiras
garatujas são linhas longitudinais que, com o tempo, vão se tornando
circulares e, por fim, se fecham em formas independentes, que ficam
soltas na página. No final dessa fase, é possível que surjam os
primeiros indícios de figuras humanas, como cabeças com olhos.
• De 3 a 4 anos
Já
conquistou a forma e seus desenhos têm a intenção de reproduzir algo.
Ela também respeita melhor os limites do papel. Mas o grande salto é ser
capaz de desenhar um ser humano reconhecível, com pernas, braços,
pescoço e tronco.
• De 4 a 5 anos
É
uma fase de temas clássicos do desenho infantil, como paisagens,
casinhas, flores, super-heróis, veículos e animais, varia no uso das
cores, buscando um certo realismo. Suas figuras humanas já dispõem de
novos detalhes, como cabelos, pés e mãos, e a distribuição dos desenhos
no papel obedecem a uma certa lógica, do tipo céu no alto da folha.
Aparece ainda a tendência à antropomorfização, ou seja, a emprestar
características humanas a elementos da natureza, como o famoso sol com
olhos e boca. Esta tendência deve se estender até 7 ou 8 anos.
• De 5 a 6 anos
Os
desenhos sempre se baseiam em roteiros com começo, meio e fim. As
figuras humanas aparecem vestidas e a criança dá grande atenção a
detalhes como as cores. Os temas variam e o fato de não terem nada a ver
com a vida dela são um indício de desprendimento e capacidade de contar
histórias sobre o mundo.
• De 7 a 8 anos
O
realismo é a marca desta fase, em que surge também a noção de
perspectiva. Ou seja, os desenhos da criança já dão uma impressão de
profundidade e distância. Extremamente exigentes, muitas deixam de
desenhar, se acham que seus trabalhos não ficam bonitos.
Para
tentarmos entender melhor o universo infantil muitas vezes buscamos
interpretar os seus desenhos, devemos porem lembrar que a interpretação
de um desenho isolada do contexto em que foi elaborado não faz sentido.
É
aconselhável, ao professor, que ofereça às crianças o contato com
diferentes tipos de desenhos e obras de artes, que elas façam a leitura
de suas produções e escutem a de outros e também que sugira a criança
desenhar a partir de observações diversas (cenas, objetos, pessoas) para
que possamos ajudá-la a nutrisse de informações e enriquecer o seu
grafismo. Assim elas poderão reformular suas idéias e construir novos
conhecimentos.
Referências Bibliográficas
LUQUET, G.H. Arte Infantil. Lisboa: Companhia Editora do Minho, 1969.
MALVERN, S.B. "Inventing 'child art': Franz Cizek and modernism" In: British Journal of Aesthetics, 1995, 35(3), p.262-272.
MEREDIEU, F. O desenho Infantil. São Paulo: Cultrix, 1974.
NAVILLE,
Pierre. "Elements d'une bibliographie critique". In: Enfance, 1950,
n.3-4, p. 310. Parsons, Michael J. Compreender a Arte. Lisboa: Ed.
Presença, 1992.
PIAGET, J. A formação dos símbolos na Infância. PUF, 1948
RABELLO, Sylvio. Psicologia do Desenho Infantil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1935.
READ, HEBERT. Educação Através da Arte. São Paulo: Martins Fontes, 1971.
RIOUX, George. Dessin et Structure Mentale. Paris: Presses Universitaires de France, 1951.
ROUMA, George. El Lenguage Gráfico del Niño. Buenos Aires: El Ateneo, 1947.
REFERENCIAL
CURRICULAR NACIONAL PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL. Ministério da Educação e
do Desporto, secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF,
1998. 3v.
Nenhum comentário:
Postar um comentário