A poesia fazendo parte do dia-a-dia
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OBJETIVOS
Constitui objetivo geral desta
oficina a promoção lato sensu da leitura literária entre o público
estudantil, vinculando o aspecto lúdico da atividade à leitura de mundo
inerente ao ato da leitura em si, por meio das inferências que este ato
comporta. São seus objetivos específicos:
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A poesia é a mais antiga forma de
expressão da arte literária. Sendo sua conceituação bastante complexa (Cf.
Moisés, 1997, p. 102–134), este trabalho terá como pressuposto básico a
identificação que se faz, comumente, entre poesia e poema, entendendo-se este
como uma das formas como a poesia (o fazer poético) se manifesta, e buscará
delinear as características principais do que se convencionou chamar poesia
infantil, denominação esta tanto mais convencional quanto maior o caráter
literário do poema em questão, haja vista que o que apresenta literariedade
pode ser apreciado tanto pela criança quanto pelo adulto.
Comecemos, então, pela apresentação
de um poema “infantil” que agrada crianças e adultos, referido por diversos
estudiosos de literatura infantil (Cf. Abramovich, 1993, p. 88, Cunha, 1996,
p. 70, Pondé, 1983, p. 98–99):
OU ISTO OU AQUILO
Ou se tem chuva e não se tem sol,
Ou se tem sol e não se tem chuva!
Ou se calça a luva e não se põe o
anel,
Ou se põe o anel e não se calça a luva!
Quem sobe nos ares não fica no
chão,
Quem fica no chão não sobe nos ares.
É uma grande pena que não se possa
Estar ao mesmo tempo nos dois lugares!
Ou guardo o dinheiro e não compro o
doce,
Ou compro o doce e gasto o dinheiro.
Ou isto ou aquilo: ou isto ou
aquilo...
E vivo escolhendo o dia inteiro!
Não sei se brinco, não sei se
estudo,
Se saio correndo ou fico tranqüilo.
Mas não consegui entender ainda
Qual é melhor: se é isto ou aquilo.
Cecília Meireles
Trata-se de um belíssimo poema, em
que o eu lírico, por meio de imagens muito leves, coloca o leitor diante da
problemática da escolha, a casualidade que muitas vezes a rege (“Não sei
se..., não sei se...”), a equivalência das alternativas que se oferecem a
cada momento:
Cecília Meireles, em seu poema Ou isto ou aquilo, dá um tratamento
literário à poesia infantil e demonstra um profundo conhecimento de sua
lógica. Nele, a conjunção alternativa não exclui, mas aproxima as oposições,
colocando-as lado a lado, de modo que, ao final, elas se anulam enquanto
opções e passam a construir um todo, com elementos equivalentes que se somam (Pondé, 1983, p. 98).
A dúvida, a indecisão diante de
alternativas que se colocam no mesmo plano são tratadas, neste poema, de
forma deliciosamente descompromissada com o universo ideológico do adulto,
que joga um grande peso sobre as decisões, as escolhas. No poema, as escolhas
são dessacralizadas, e a criança, ao lê-lo, poderá pôr em xeque a aura de
seriedade criada pelos adultos em torno das “grandes decisões da vida”.
Assim, a poesia escrita para
crianças, tendo qualidade literária, será fundamental para a estruturação de
sua subjetividade. A poesia, mais do que o contato com a língua escrita,
permitirá à criança dar continuidade à experiência de oralidade que ela traz
para a escola e que esta em geral rejeita. Com seu jogo de palavras, a poesia
irá resgatar a oralidade. Conforme observa Magalhães (1987, p. 29), “(...) a
criança já traz para a escola uma experiência lingüística que, em sua
funcionalidade, é poética”, porque centrada na seleção e no arranjo das
palavras, em sua sonoridade, como se pode observar em letras de cantigas de
roda:
A barata disse
que tinha-nha uma casa-sa na vidraça-ça. É mentira-ra da barata-ta, ela mora, ela mora na fumaça-ça!
Entretanto, a poesia não ocupa lugar
de destaque na escola nem nos livros didáticos. Não é comum o professor parar
a aula para ler um poema e, se o faz, isso só vem a confirmar o lugar de
exceção ocupado pela poesia na escola.
Graça Paulino (1999), ao se propor
responder à questão “Para que serve a literatura infantil?”, questiona a
validade do discurso utilitário, que relega a poesia à condição de adorno dos
conteúdos ministrados:
Seria a poesia apenas o fútil, o
luxo, enquanto a escola precisa cuidar daquilo que se chama leitura funcional,
que, se não dá dinheiro, pelo menos ajuda o cidadão-leitor a defender
condições um pouco mais dignas de sobrevivência? Ora, funcional, na sociedade
de amanhã, é impensável hoje, como se fosse algo já pronto. Na rapidez com
que a tecnologia se move, corrermos atrás dela é inútil. Mais “funcional”,
hoje, talvez seja mesmo o despertar da sensibilidade para aquilo nunca visto
nem previsto (Paulino, 1999, p. 53).
Para essa autora, poder-se-ia
começar a concepção pragmática e utilitarista da existência por meio da
leitura, a cada aula, de um poema; leitura esta que poderia partir também dos
alunos, de um modo despretensioso, compartilhando o que é bonito, o que é
agradável. E aí, talvez, “(...) a gente iria mudando o jeito de poetar, de
falar dos sonhos, iria mostrando que as maneiras são muitas, quase infindas
quando a poesia... vai-se fazendo” (Paulino, 1999, p. 54). O prazer de viver
seria colocado na ordem do dia.
A escola tem como uma de suas metas
levar a criança a dominar a escrita, mais propriamente em sua modalidade
culta. Entretanto, “(...) a experiência lingüística que a criança traz para a
escola é uma experiência com o som da palavra” (Magalhães, 1983, p. 28) e que
a levou a dominar a sua língua, quando aprendeu a falar. Ocorre, então, no
processo de alfabetização, uma ruptura com essa experiência, abandonando-se a
oralidade em prol da escrita.
A poesia, estreitamente ligada aos
aspectos sonoros da língua, seria uma maneira de dar continuidade à
experiência lingüística que a criança já tem e que foi o próprio fundamento
do seu aprendizado da língua. O descaso da escola com a oralidade tem como
conseqüência o desinteresse do aluno pela poesia:
A linguagem pessoal do aluno entra em choque com aquela de um saber já
instituído, que não permite outras visões de mundo diferentes da sua. Assim a
roda da escola gira, levando o aluno ao total desinteresse pela poesia, fato
que pode ser mais agudamente observado nas séries mais avançadas da
escolaridade (Machado, 1996, p. 42).
O que há de tão especial na poesia que
a torna importante para o desenvolvimento cognitivo da criança? A linguagem
cotidiana e a da escola tendem a se aproximar da lógica do discurso
científico: ambas são regidas pela causalidade, pela lógica do
antecedente–conseqüente. Restringir a vivência da criança à racionalidade do
discurso científico é uma ação reducionista que esteriliza, em vez de
fecundar, as potencialidades do desenvolvimento lingüístico, cognitivo,
afetivo e social da criança:
Para um aluno que apenas iniciou seu processo escolar, (...) não
existe distinção entre o discurso literário e o discurso científico. A
escola, talvez sem perceber que, para a linguagem infantil, não existem
fronteiras entre os discursos, impõe, por meio da polarização acerto–erro,
uma linguagem que se pretenda unívoca, “correta”. Ou seja: uma linguagem
regida por um modelo de imposição, e não de interação, pois as respostas
dadas aos alunos encontram-se, na maioria das vezes, prontas e imutáveis. E,
quando isso acontece, a capacidade inventiva, na qual o real seria aos poucos
construído pela criança, não encontra espaço para sua expansão (Machado, 1996, p. 45).
A poesia, então, além de estar em
consonância com a lógica (ou ilogicidade...) do pensamento infantil, pela
condensação de imagens que encerra, indo ao encontro da forma global com que
a criança apreende o mundo, proporciona um modo de se transgredir a lógica
que rege a linguagem cotidiana, permitindo à criança ampliar seu imaginário,
o seu universo de significações. É o que sugere Bordini (1990, apud Machado,
1996, p. 45), ao afirmar que,
(...) em contato com o texto
poético, a criança é tomada por vivências que a distanciam de seu ambiente
familiar, lingüístico e social. Todavia, a configuração eminentemente
ordenadora dos estímulos do mundo poético (os ritmos, a criação de vínculos
entre objetos isolados) garante que esse deslocamento se processe num clima
de segurança, em que o incomum produz prazer, e não temor.
Essa magia do universo poético —
onde o insólito permite à criança “viajar”, imaginar por “outros caminhos”,
e, ao mesmo tempo, se encontrar, encontrar seu mundo e sua subjetividade nas
múltiplas significações do texto poético — pode ser ilustrada pelo poema
Grilo grilado, de Elias José (apud Abramovich, 1993, p. 69):
O jogo que se faz com o
significante grilo, o tratamento leve e bem-humorado da temática amorosa, a
sugestão da inquietação amorosa pela própria estruturação do poema “atenuam”
o insólito de um grilo estar apaixonado, e a identificação do leitor com o
poema é imediata.
Cumpre, por fim, assinalar que, em
se tratando de poesia infantil, há poemas e poemas. Grande parte do que se
produz para crianças é destituída de valor literário, servindo à veiculação
de conteúdos e valores ideológicos ou então como meros suportes para o ensino
de gramática:
O didatismo que orienta a manipulação dos textos na escola é
responsável pela insensibilidade ao poético manifestada na atitude de
desinteresse do aluno (...). O texto literário é usado como modelo de
habilidade na manipulação da língua alcançada por determinados autores. A
imitação é estimulada como instrumento de aprendizagem da norma lingüística.
Se apreciássemos as características dos textos e autores mais intensamente
presentes nos livros escolares, concluiríamos logo que eles consagram a regra
e sufocam aquilo que se quer dizer, procuram separar o sujeito das
propriedades da linguagem, ignorando que o desejo é determinado e estruturado
pela linguagem e que o homem não existe fora dela (Magalhães, 1987, p. 30).
Há que se escolher poemas com
qualidade literária. Trabalhá-los junto aos alunos de forma descontraída,
criativa e prazerosa, se possível lendo um poema para os alunos a cada aula,
não de forma mecânica, mas procurando compartilhar a beleza, o encanto e tudo
o mais que a poesia pode proporcionar, criando condições para que os alunos
possam trazer a poesia para o seu dia-a-dia, encontrando nela novos caminhos
para o mundo, tanto o exterior quanto o da sua subjetividade.
PLANO DE DESENVOLVIMENTO
A oficina Viajando com a poesia
será estruturada em duas partes, para as quais estão previstos os seguintes
planos de desenvolvimento:
Parte I
Criação de um Universo de Fantasia
Parte II
Viajando com a Poesia
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Educar é Semear
sábado, 7 de janeiro de 2012
poesia
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