Educar é Semear

Educar é Semear

sábado, 7 de janeiro de 2012

poesia


OBJETIVOS
Constitui objetivo geral desta oficina a promoção lato sensu da leitura literária entre o público estudantil, vinculando o aspecto lúdico da atividade à leitura de mundo inerente ao ato da leitura em si, por meio das inferências que este ato comporta. São seus objetivos específicos:
  • Despertar, no educando, o amor pela poesia, de modo que ele possa descobrir em sua leitura uma forma de elaborar suas emoções, seus sentimentos, sua subjetividade.
  • Apresentar a leitura da poesia como uma experiência agradável, na medida em que seu processo de construção, recuperável no ato da leitura, busca sempre alcançar o belo.
  • Propiciar ao educando um contexto em que ele possa trazer a poesia para a sua realidade, por meio de leituras que dinamizem os conhecimentos latentes no texto poético.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A poesia é a mais antiga forma de expressão da arte literária. Sendo sua conceituação bastante complexa (Cf. Moisés, 1997, p. 102–134), este trabalho terá como pressuposto básico a identificação que se faz, comumente, entre poesia e poema, entendendo-se este como uma das formas como a poesia (o fazer poético) se manifesta, e buscará delinear as características principais do que se convencionou chamar poesia infantil, denominação esta tanto mais convencional quanto maior o caráter literário do poema em questão, haja vista que o que apresenta literariedade pode ser apreciado tanto pela criança quanto pelo adulto.
Comecemos, então, pela apresentação de um poema “infantil” que agrada crianças e adultos, referido por diversos estudiosos de literatura infantil (Cf. Abramovich, 1993, p. 88, Cunha, 1996, p. 70, Pondé, 1983, p. 98–99):
























OU ISTO OU AQUILO
Ou se tem chuva e não se tem sol,
Ou se tem sol e não se tem chuva!
Ou se calça a luva e não se põe o anel,
Ou se põe o anel e não se calça a luva!
Quem sobe nos ares não fica no chão,
Quem fica no chão não sobe nos ares.
É uma grande pena que não se possa
Estar ao mesmo tempo nos dois lugares!
Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,
Ou compro o doce e gasto o dinheiro.
Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo...
E vivo escolhendo o dia inteiro!
Não sei se brinco, não sei se estudo,
Se saio correndo ou fico tranqüilo.
Mas não consegui entender ainda
Qual é melhor: se é isto ou aquilo.
Cecília Meireles
Trata-se de um belíssimo poema, em que o eu lírico, por meio de imagens muito leves, coloca o leitor diante da problemática da escolha, a casualidade que muitas vezes a rege (“Não sei se..., não sei se...”), a equivalência das alternativas que se oferecem a cada momento:
Cecília Meireles, em seu poema Ou isto ou aquilo, dá um tratamento literário à poesia infantil e demonstra um profundo conhecimento de sua lógica. Nele, a conjunção alternativa não exclui, mas aproxima as oposições, colocando-as lado a lado, de modo que, ao final, elas se anulam enquanto opções e passam a construir um todo, com elementos equivalentes que se somam (Pondé, 1983, p. 98).
A dúvida, a indecisão diante de alternativas que se colocam no mesmo plano são tratadas, neste poema, de forma deliciosamente descompromissada com o universo ideológico do adulto, que joga um grande peso sobre as decisões, as escolhas. No poema, as escolhas são dessacralizadas, e a criança, ao lê-lo, poderá pôr em xeque a aura de seriedade criada pelos adultos em torno das “grandes decisões da vida”.
Assim, a poesia escrita para crianças, tendo qualidade literária, será fundamental para a estruturação de sua subjetividade. A poesia, mais do que o contato com a língua escrita, permitirá à criança dar continuidade à experiência de oralidade que ela traz para a escola e que esta em geral rejeita. Com seu jogo de palavras, a poesia irá resgatar a oralidade. Conforme observa Magalhães (1987, p. 29), “(...) a criança já traz para a escola uma experiência lingüística que, em sua funcionalidade, é poética”, porque centrada na seleção e no arranjo das palavras, em sua sonoridade, como se pode observar em letras de cantigas de roda:
A barata disse
que tinha-nha
uma casa-sa
na vidraça-ça.
É mentira-ra
da barata-ta,
ela mora,
ela mora
na fumaça-ça!
Entretanto, a poesia não ocupa lugar de destaque na escola nem nos livros didáticos. Não é comum o professor parar a aula para ler um poema e, se o faz, isso só vem a confirmar o lugar de exceção ocupado pela poesia na escola.
Graça Paulino (1999), ao se propor responder à questão “Para que serve a literatura infantil?”, questiona a validade do discurso utilitário, que relega a poesia à condição de adorno dos conteúdos ministrados:
Seria a poesia apenas o fútil, o luxo, enquanto a escola precisa cuidar daquilo que se chama leitura funcional, que, se não dá dinheiro, pelo menos ajuda o cidadão-leitor a defender condições um pouco mais dignas de sobrevivência? Ora, funcional, na sociedade de amanhã, é impensável hoje, como se fosse algo já pronto. Na rapidez com que a tecnologia se move, corrermos atrás dela é inútil. Mais “funcional”, hoje, talvez seja mesmo o despertar da sensibilidade para aquilo nunca visto nem previsto (Paulino, 1999, p. 53).
Para essa autora, poder-se-ia começar a concepção pragmática e utilitarista da existência por meio da leitura, a cada aula, de um poema; leitura esta que poderia partir também dos alunos, de um modo despretensioso, compartilhando o que é bonito, o que é agradável. E aí, talvez, “(...) a gente iria mudando o jeito de poetar, de falar dos sonhos, iria mostrando que as maneiras são muitas, quase infindas quando a poesia... vai-se fazendo” (Paulino, 1999, p. 54). O prazer de viver seria colocado na ordem do dia.
A escola tem como uma de suas metas levar a criança a dominar a escrita, mais propriamente em sua modalidade culta. Entretanto, “(...) a experiência lingüística que a criança traz para a escola é uma experiência com o som da palavra” (Magalhães, 1983, p. 28) e que a levou a dominar a sua língua, quando aprendeu a falar. Ocorre, então, no processo de alfabetização, uma ruptura com essa experiência, abandonando-se a oralidade em prol da escrita.
A poesia, estreitamente ligada aos aspectos sonoros da língua, seria uma maneira de dar continuidade à experiência lingüística que a criança já tem e que foi o próprio fundamento do seu aprendizado da língua. O descaso da escola com a oralidade tem como conseqüência o desinteresse do aluno pela poesia:
A linguagem pessoal do aluno entra em choque com aquela de um saber já instituído, que não permite outras visões de mundo diferentes da sua. Assim a roda da escola gira, levando o aluno ao total desinteresse pela poesia, fato que pode ser mais agudamente observado nas séries mais avançadas da escolaridade (Machado, 1996, p. 42).
O que há de tão especial na poesia que a torna importante para o desenvolvimento cognitivo da criança? A linguagem cotidiana e a da escola tendem a se aproximar da lógica do discurso científico: ambas são regidas pela causalidade, pela lógica do antecedente–conseqüente. Restringir a vivência da criança à racionalidade do discurso científico é uma ação reducionista que esteriliza, em vez de fecundar, as potencialidades do desenvolvimento lingüístico, cognitivo, afetivo e social da criança:
Para um aluno que apenas iniciou seu processo escolar, (...) não existe distinção entre o discurso literário e o discurso científico. A escola, talvez sem perceber que, para a linguagem infantil, não existem fronteiras entre os discursos, impõe, por meio da polarização acerto–erro, uma linguagem que se pretenda unívoca, “correta”. Ou seja: uma linguagem regida por um modelo de imposição, e não de interação, pois as respostas dadas aos alunos encontram-se, na maioria das vezes, prontas e imutáveis. E, quando isso acontece, a capacidade inventiva, na qual o real seria aos poucos construído pela criança, não encontra espaço para sua expansão (Machado, 1996, p. 45).
A polarização acerto–erro, a pretensão de uma linguagem unívoca, correta, nos remete de imediato ao poema de Cecília Meireles referido neste trabalho, em que o “ou isto ou aquilo” configura um rompimento com a lógica causal que impõe sempre a exclusão de uma coisa pela outra, e não a equivalência entre uma coisa e outra. Conforme observa Pondé (1983, p. 96), “(...) a poesia é, por excelência, um dos meios de se criar novas linguagens e de se respeitar o mundo da criança, que possui uma lógica particular e característica”, permitindo, assim, a expansão da sua capacidade inventiva.
A poesia, então, além de estar em consonância com a lógica (ou ilogicidade...) do pensamento infantil, pela condensação de imagens que encerra, indo ao encontro da forma global com que a criança apreende o mundo, proporciona um modo de se transgredir a lógica que rege a linguagem cotidiana, permitindo à criança ampliar seu imaginário, o seu universo de significações. É o que sugere Bordini (1990, apud Machado, 1996, p. 45), ao afirmar que,
(...) em contato com o texto poético, a criança é tomada por vivências que a distanciam de seu ambiente familiar, lingüístico e social. Todavia, a configuração eminentemente ordenadora dos estímulos do mundo poético (os ritmos, a criação de vínculos entre objetos isolados) garante que esse deslocamento se processe num clima de segurança, em que o incomum produz prazer, e não temor.
Essa magia do universo poético — onde o insólito permite à criança “viajar”, imaginar por “outros caminhos”, e, ao mesmo tempo, se encontrar, encontrar seu mundo e sua subjetividade nas múltiplas significações do texto poético — pode ser ilustrada pelo poema Grilo grilado, de Elias José (apud Abramovich, 1993, p. 69):
GRILO GRILADO
O grilo,
coitado,
anda grilado,
e eu sei
o que há.
Salta pra aqui,
salta pra ali.
Cri-cri pra cá,
cri-cri pra lá.
O grilo,
coitado,
anda grilado
e não quer contar.
No fundo,
não ilude,
é só reparar
em sua atitude
pra se desconfiar.
O grilo,
coitado,
anda grilado
e quer um analista
e quer um doutor.
Seu Grilo,
eu sei:
o seu grilo
é um grilo
de amor.
O jogo que se faz com o significante grilo, o tratamento leve e bem-humorado da temática amorosa, a sugestão da inquietação amorosa pela própria estruturação do poema “atenuam” o insólito de um grilo estar apaixonado, e a identificação do leitor com o poema é imediata.
Cumpre, por fim, assinalar que, em se tratando de poesia infantil, há poemas e poemas. Grande parte do que se produz para crianças é destituída de valor literário, servindo à veiculação de conteúdos e valores ideológicos ou então como meros suportes para o ensino de gramática:
O didatismo que orienta a manipulação dos textos na escola é responsável pela insensibilidade ao poético manifestada na atitude de desinteresse do aluno (...). O texto literário é usado como modelo de habilidade na manipulação da língua alcançada por determinados autores. A imitação é estimulada como instrumento de aprendizagem da norma lingüística. Se apreciássemos as características dos textos e autores mais intensamente presentes nos livros escolares, concluiríamos logo que eles consagram a regra e sufocam aquilo que se quer dizer, procuram separar o sujeito das propriedades da linguagem, ignorando que o desejo é determinado e estruturado pela linguagem e que o homem não existe fora dela (Magalhães, 1987, p. 30).
Há que se escolher poemas com qualidade literária. Trabalhá-los junto aos alunos de forma descontraída, criativa e prazerosa, se possível lendo um poema para os alunos a cada aula, não de forma mecânica, mas procurando compartilhar a beleza, o encanto e tudo o mais que a poesia pode proporcionar, criando condições para que os alunos possam trazer a poesia para o seu dia-a-dia, encontrando nela novos caminhos para o mundo, tanto o exterior quanto o da sua subjetividade.
PLANO DE DESENVOLVIMENTO
A oficina Viajando com a poesia será estruturada em duas partes, para as quais estão previstos os seguintes planos de desenvolvimento:
Parte I
Criação de um Universo de Fantasia
  • Primeiro momento: apresentação à turma da oficina e do grupo que irá coordená-la, especificando a instituição de ensino a que se vincula e as atividades que serão desenvolvidas.
  • Segundo momento: concomitantemente à fixação, no quadro-negro, de três painéis de seda ilustrados, respectivamente, com o globo terrestre, um cometa e um balão, solicita-se aos alunos que afastem as carteiras, deixando vazia a região central da sala.
  • Terceiro momento: pergunta-se aos alunos: “O que é poesia?”. Após uma pequena explanação, pede-se a eles que fiquem de pé, convidando-os a fazerem uma viagem mágica. Coloca-se, então, para tocar a música Lindo Balão Azul, na interpretação da cantora Angélica, convidando todos os alunos a dançarem, “pegando carona na cauda do cometa”, como o ilustrado no painel afixado no quadro.
  • Quarto momento: dentro do mesmo tema musical, pede-se aos alunos que façam um “trenzinho”, passando um a um pelo “balão”, de onde vão retirar uma ficha colorida, num total de cinco cores diferentes.
Parte II
Viajando com a Poesia
  • Primeiro momento: introdução da poesia no universo de fantasia criado, procurando estabelecer vínculos entre a poesia e o mundo cotidiano, representado pelos classificados de jornais. Esses vínculos serão instaurados pela idéia dos “classificados poéticos”, lendo os dois poemas abaixo, transcritos do livro homônimo de Roseana Murray (p. 9;13):
Procura-se um equilibrista
que saiba caminhar na linha
que divide a noite do dia,
que saiba carregar nas mãos
um fino pote cheio de fantasia,
que saiba escalar nuvens arredias,
que saiba construir ilhas de poesia
na vida simples de todo dia.

Quero asas de borboleta azul
para que eu encontre
o caminho do vento,
o caminho da noite,
a janela do tempo,
o caminho de mim.
  •  
  • Segundo momento: separação da turma em cinco grupos, de acordo com a cor das fichas apanhadas no “balão”.
  • Terceiro momento: distribuição dos comandos de leitura entre os grupos formados, distribuindo-se também os materiais necessários à sua execução. Os comandos propostos encontram-se anexos.
  • Quarto momento: execução dos comandos pelos grupos, sob orientação dos coordenadores da oficina. Durante esta etapa, coloca-se uma música de fundo, visando obter um maior envolvimento dos alunos com as atividades propostas.
  • Quinto momento: apresentação, pelos grupos, das atividades desenvolvidas.
  • Sexto momento: apresentação, aos alunos, do livro Classificados poéticos, discorrendo sucintamente sobre seu conteúdo.





Bibliografia
ABRAMOVICH, Fanny. Literatura Infantil: Gostosuras e Bobices. 3. ed. São Paulo: Scipione, 1993.
CUNHA, Leo. Passagens. Presença Pedagógica, Belo Horizonte, v. 2, n. 8, p. 70–71, mar./abr. 1996.
MACHADO, Maria Zélia Versiani. Cadê a Poesia que Estava Aqui? Intermédio. Cadernos Ceale, Belo Horizonte, ano I, v. 2, p. 41–50, maio 1996.
MAGALHÃES, Lígia Cademartori. Jogo e Iniciação Literária. In: ZILBERMAN, Regina; MAGALHÃES, Lígia Cademartori. Literatura Infantil: Autoritarismo e Emancipação. 3. ed. São Paulo: Ática, 1987.
MOISÉS, Massaud. A Criação Literária. Poesia. 13. ed. São Paulo: Cultrix, 1997.
MURRAY, Roseana. Classificados Poéticos. 17. ed. Belo Horizonte: Muguilim, 1998.
PAULINO, Graça. Pra Que Serve a Liter_nte, v. 5, n. 25, p. 51–57, jan./fev. 1999.
PONDÉ, Maria da Graça Fialho. Poesia para Crianças: a Mágica da Eterna Infância. In: KHEDÉ, Sônia Salomão (Org.). Literatura Infanto-juvenil: um Gênero Polêmico. Petrópolis: Vozes, 1983, p. 92–103.








Nenhum comentário:

Postar um comentário