Educar é Semear

Educar é Semear

sábado, 7 de janeiro de 2012

Valore


Constituíção de Valores no Contexto Educacional Contemporâneo
Zuleide Blanco Rodrigues, Pedagoga (PUC–SP); Psicopedagogia (PUC–SP) em curso.*

Este artigo propõe reflexões sobre a constituição de valores no contexto educacional contemporâneo e as devidas dimensões que atingem os adolescentes nos âmbitos social, histórico, cultural, político, econômico e afetivo.

Os valores, presentes na sociedade, contêm significados não devidamente explicados, porém diretamente implicados nas ações e na construção do pensamento.

Na teoria conhecida como Psicologia Genética, do psicólogo suíço Jean Piaget, a inteligência não é inata, “mas a gênese da razão, da afetividade e da moral é feita progressivamente através de estágios sucessivos, em que a criança organiza o pensamento e o julgamento. O saber é construído, e não imposto de fora” (Piaget, 1994). Para Piaget, o desenvolvimento moral é concomitante ao desenvolvimento lógico, com aspectos paralelos de um mesmo processo geral de adaptação. Existe uma reflexão consciente da prática passando por estágios, indo da moral heterônoma — baseada na obediência — à moral autônoma — baseada na igualdade e nas relações sociais. Em um primeiro momento, a relação da criança com o adulto se estabelece nas relações entre companheiros num sistema de reciprocidade.

Observa-se que os valores estão no mesmo caminho do desenvolvimento da moral no indivíduo, independentemente de ser correto. Os conflitos morais são mais ativados no período da adolescência, em que é forte a afirmação da própria identidade. Obedecer à autoridade do adulto não corresponde ao desenvolvimento do próprio eu. Neste movimento contrário, cresce a necessidade de liberdade e de coerência consigo mesmo, norteando o caminho de adaptação da autonomia. O que se pretende na escola é favorecer o desenvolvimento do indivíduo; socializá-lo metodicamente; ajudá-lo a adquirir conhecimentos e valores, a desenvolver sua inteligência e a se converter em adulto autônomo, para atuar, convenientemente, em nossa sociedade industrializada, que clama por uma educação baseada na resolução de problemas.

http://www.construirnoticias.com.br/../figuras/24/valores01a.gifOs valores interagem concomitantemente com a formação do indivíduo e sua atuação nas questões culturais e sociais emergentes em seu meio.

Na teoria do psicólogo Lev Senyonovitch Vygotsky, a abordagem fundamenta-se na relação entre pensamento e linguagem, procurando possibilitar a descrição e a explicação das funções psicológicas superiores, incluindo a identificação dos mecanismos cerebrais subjacentes a uma determinada função, em que a influência dos mecanismos culturais é decisiva na natureza de cada pessoa. É a cultura que fornecerá ao indivíduo os sistemas simbólicos de representação da realidade e, por meio deles, o universo de significações que permite construir uma ordenação, uma interpretação do mundo real.

“Os indivíduos conhecem, pensam e agem segundo paradigmas inscritos culturalmente neles.” (Morin, 2004, p. 25)

Na constituição de signos e de instrumentos que servem para mediar a relação dos seres humanos entre si e com a natureza, são eleitos os valores para se construir o pensamento humano.

Sendo a escola o lugar apropriado para a aquisição e a construção de conhecimentos sistematizados, fica clara a sua responsabilidade em adotar uma postura cultural de garantir acesso ao conhecimento, ou seja, ser uma escola cultural.

O jovem se encontra, hoje, impossibilitado de estabelecer por si próprio uma hierarquia de valores, e aí se encontra o problema fundamental. Falta-lhe referência.

A falta de referência tem sua base na crise social por que passamos e na ausência de uma escala autêntica de valores.

É sabido que, para construir para si próprio uma escala de valores, o jovem precisa do referencial do mundo adulto, como contraponto necessário no processo de superação que ele vai viver em direção à sua autonomia moral.

“Os valores são, num primeiro momento, herdados por nós.” (Arruda, 1998) E, durante o processo, depois de ter vivido os estágios de anomia (ausência de lei e/ou norma) e heteronomia (norma estranha), o jovem reedita o estágio de anomia e faz o confronto de seus próprios valores com os valores do mundo adulto para alcançar sua autonomia — estágio em que os valores já foram refletidos e estão interiorizados, têm significado real para o sujeito e fazem parte de sua consciência moral. Nesse momento, o jovem estabelece um vínculo com a realidade e com o contexto social.

Estará nossa escola preparada para dar conta de restabelecer esse referencial, dando subsídios ao jovem na elaboração de sua escala de valores? Esperamos que sim.

A cultura global pede paz, igualdade de direitos, respeito às diversidades, à individualidade, preservação do meio ambiente, compreensão do outro. Esses valores estão sendo solicitados em todas as vertentes da sociedade. Cabe à escola, como setor responsável por permitir o desenvolvimento da cultura, incorporar e alimentar esses valores. Todas as atividades educativas devem ser grafadas com essa marca. A transmissão de referencial de valores deve acontecer na escola através da transdisciplinaridade.

Os valores apresentados devem estar no fazer de cada educador, e não somente nos discursos. Devem sobrepor-se ao caráter de disciplina e atuar concomitante à vivência educacional.

Os valores eleitos são praticados no cotidiano escolar através de projetos coletivos e pessoais. Surgem de todas as relações intersubjetivas que ocorrem no contexto escolar. Faz-se mister, então, uma reflexão e investigação para identificar que valores estão sendo privilegiados nesta relação.

Uma escola que se predispõe a este foco de interesse — a constituição de uma escala de valores significativa — não deve ser partidária da cultura tradicional, porquanto esta não se insere neste contexto mais libertário.

Durante muito tempo a escola trabalhou com modelos prontos, verdades absolutas, não dando atenção ao conhecimento produzido no cotidiano. Com a evolução social, novos paradigmas se tornam relevantes. A escola, participando dessa evolução, precisa rever conteúdos e enfoques, a fim de buscar entender o presente, o momento que se vive.

A preocupação com valores está diretamente ligada a este momento educacional histórico, no qual o jovem solicita referencial de análise e reflexão sobre os valores que possui, os que procura experimentar e os da realidade, que estão à sua volta.

A escola deve ser o lugar onde os valores morais são passados, refletidos, e não meramente impostos ou fruto de hábitos. Até porque, neste contexto de caos social, nada se impõe.

A escola deve ser democrática, comprometida com a ação reflexiva sobre questões relacionadas a valores morais, que ajude o jovem a construir e hierarquizar sua própria escala de valores.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais contribuem de forma decisiva com esta nova proposta democrática por sustentarem-se nos fundamentos da Constituição brasileira. Baseiam-se no reconhecimento de preservação de valores que fundamentarão normas e leis no contexto social, para que o sujeito possa exercer sua dignidade, seus direitos e deveres e sua cidadania.

Pertinaz também é o que nos diz o professor Josep Maria Puig (1998, p. 19): “Valorar algo é tomar uma decisão baseada em critérios totalmente subjetivos, portanto, não é possível afirmar que uma norma ou um comportamento seja melhor do que outro”, ou seja, não se pode pretender que a aprendizagem de valores se dê meramente pela transmissão de conceitos que podem não ser significativos entre as diversas culturas existentes, mas, sim, na possibilidade da reflexão crítica das inúmeras situações cotidianas que se apresentam, proporcionando escolhas sem, no entanto, perder de vista a adoção de valores universalmente desejáveis.

Em sua metodologia, o professor Puig propõe dinâmicas, exercícios, atividades que levem o adolescente a observar, refletir, analisar, julgar, ou seja, desenvolver um método de pensamento que lhe permita adotar valores morais de maneira consciente e participativa, vinculados à construção da democracia, da cidadania, das relações interpessoais, favorecendo, conseqüentemente, o seu processo de identidade pessoal.

Existem muitas possibilidades de ações, a partir de reflexões filosóficas possíveis, de uma escola com cultura de pensar e agir em prol da humanidade.

"Indivíduos conhecem, pensam e agem segundo paradigmas inscritos culturalmente neles."



Face ao exposto, este artigo propõe uma reflexão em torno do perfil dos jovens hoje. Pede um repensar o tratamento dado ao pensamento de crianças e adolescentes, reconhecendo sua originalidade e ajudando-os a explicitar suas contradições.

A este período do desenvolvimento humano é preciso proporcionar condições ideais pelas quais o jovem possa ressignificar a sua realidade, construindo uma identidade, baseada em valores, que permita a sua formação socioeconômica, política e cultural, cujo escopo seja a constituição de uma sociedade justa e fraterna.

É preciso também nos remeter a reflexões sobre a escola, enquanto local, por excelência, significativo e próprio para que os alunos possam alcançar, além de sua autonomia intelectual, a sua autonomia moral.

Enfim, o período político neoliberal e o mundo globalizado solicitam do setor educacional que caminhe para a escola democrática. Os novos sujeitos devem ter por princípios básicos: liberdade com responsabilidade, autonomia conseqüente aos resultados, respeito, cooperação, fraternidade e igualdade como fundamentais e necessários ao seu próprio desenvolvimento, à sua historicidade e à história de seu povo.

O mundo está direcionado a uma educação que precisa ser conseqüente, precisa constituir um cidadão que realmente contribua, com liberdade de ação e autonomia de decisão, de forma crítica e consciente na sociedade em que vive.

Bibliografia

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda e MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando – introdução à filosofia. São Paulo: Moderna, 1996.
BECKER, D. O que é adolescência? São Paulo: Brasiliense, 1985.
BUSQUETS, Maria Dolores (org.). Temas transversais em educação: bases para uma formação integral. São Paulo: Ática, 1998.
CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 1999.
Estatuto da Criança e do Adolescente / Apresentação Siro Darlan – Lei nº 8.069/90. Rio de Janeiro: DP&A, 1998.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
GENTILLI, P. & SILVA, T. T. Neoliberalismo, qualidade total e educação. Petrópolis: Vozes, 1999.
LA TAILLE, Yves de. Piaget, Vygotsky, Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. São Paulo: Summus, 1992.
LEVISKY, D. L. Adolescência: conseqüências da realidade brasileira. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
MORIN, Edgar. Trad. Catarina Eleonora F. da Silva e Jeanne Sawaya. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 9. ed. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: Unesco, 2004.
NETTO, Samuel Pfromm. Psicologia da adolescência. 2. ed. São Paulo: Pioneira, 1971.
PIAGET, J. O juízo moral na criança. São Paulo: Summus, 1994. (org. 1932).
_________ . Sobre a pedagogia. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1998.
Parâmetros Curriculares Nacionais – Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental – apresentação dos Temas Transversais.
ZAGURY, Tânia. O adolescente por ele mesmo. Rio de Janeiro: Record, 1996.
YUS, Rafael. Temas transversais – em busca de uma nova escola. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1998.


Nenhum comentário:

Postar um comentário