A festa no céu
Correu na floresta
a notícia de que à noite haveria uma festa no céu, mas que somente as aves
seriam convidadas. Todo o povo de pena ficou feliz com aquele obséquio e,
lisonjeados começaram a caçoar dos peixes e dos terrestres. Pousando perto da
lagoa um urubu pôs-se a tagarelar com o sapo, seu velho conhecido. Papo vai,
papo vem, o urubu se ufanava de ser convidado de honra para a festa no
céu, e rabulava a não mais poder. O sapo, coitado, ficava ali à beira do
lago, tendo que ouvir e aguentar a prosápia do fanfarrão. O urubu
se jactava tanto que chegava a babar, tocava viola e cantava sua alegria, e
ria. Nisso aproximou-se, devagar, uma tartaruga, emergindo do fundo da
lagoa para ouvir o colóquio, e indagou:
- Mas, compadre
urubu, será que eu e o sapo, meu amigo, não poderíamos ir ? Por que motivo
seríamos alijados de tal festa ? Sempre fomos bons animais...- Sei não, comadre
tartaruga, o fato é que vivemos nas alturas, olhamos o mundo de cima para
baixo, somos superiores; quem sabe um dia chegue a vez de vocês... disse o
urubu em tom de zombaria. Um esquilo que estava ali próximo, encarapitado
em uma árvore, a tudo ouvia e ficou indignado com tamanha discriminação animal,
e aproximou-se para participar da conversa, dizendo:
- Ouçam-me,
isso soa a discriminação animal. Não é justo que fiquemos de fora dessa festa.O
urubu, "tô nem aí", feliz da vida foi dar um vôo e buscar uma carniça
para levar à festa, deixando a viola encostada a uma árvore ali perto. O
esquilo, o sapo e a tartaruga, confabulando, tiveram uma ideia: entraram dentro
da viola e ficaram quietinhos, sem dar um pio, pois iriam de carona.Chegada a
noite o urubu retornou e, não avistando mais os três amigos, pegou a viola,
colocou-a às costas e rumou ao céu. Lá chegando, arfando de cansaço
e com a língua de fora, esta parecendo uma gravata, disse ao seu colega
gavião:- Caramba, que dureza, pensei que não chegaria tal o peso dessa carniça
e da viola. Acho que de tão cansado nem poderei mostrar meus dotes de
violeiro. Vou apenas cantar, pois tenho uma voz de tenor.
E soltando a
voz começou a crocitar. Fazendo-lhe coro, a araponga bigorneava, o papagaio
palreava, a arara taramelava, a gralha grasnava, o cisne arensava e a pomba arrulhava. O sabiá
gorjeou, o anu piou e o beija-flor trissou.
Começado o
baile, ao ouvirem música e algazarra, os três amigos saltaram de dentro da
viola e foram participar da festa. O sapo coaxava e o esquilo guinchava de
alegria. As outras aves, ouvindo aquele som diferente, ficaram
admiradas pelo modo como aqueles três intrusos conseguiram chegar até ali. O
três, porém, sempre que indagados, tergiversavam e mudavam o rumo da conversa.
Inquiridos, só riam.
Lá
embaixo, na terra, ouvindo a algazarra no céu e não podendo participar da
festa, o burro começou a azurrar, o leão a rugir, a raposa a uivar, o
porco a grunhir, o pato a grassitar, a anta a assobiar, o veado a bramir e a
cobra a silvar. O grilo, por sua vez, trilava e a cigarra estridulava. O
tatu e a girafa como não têm voz, ficavam só ouvindo.
E o
baile durou a noite toda. Os três amigos se divertiram muito. Acabado o
baile, ao raiar do sol rumaram para a viola do urubu e ali se aninharam felizes
da vida. Após a debandada o urubu pegou a sua viola, meteu-a às
costas, e retornou à terra. Nem bem voara um bom trecho ouviu um barulho
estranho dentro da viola. Olhou lá dentro e viu o sapo
roncando; olhando melhor, avistou o esquilo e a tartaruga.
- Ah seus espertalhões, então foi desse modo
que conseguiram ir ao baile, né? - disse o urubu. Assim dizendo,
chacoalhou a viola e os três amigos despencaram céu abaixo, rumo à terra. O
esquilo, esperto, estendeu ambas as quatro patas e planou até aterrissar em uma
árvore, o sapo deu sorte e veio a cair em uma lagoa, não sofrendo dano
algum. Mas a tartaruga, coitada, essa não teve melhor sorte, e caiu
estatelada em uma rocha. Ficou com o casco em pedaços.
Condoídos com a sua situação vieram em seu socorro todos os animais da
floresta, juntaram todos os pedaços de seu casco que se espatifara e foram
juntos, montando o quebra-cabeças em que se transformara seu casco.
O porco-espinho contribuiu com um espinho, à guisa de agulha; a aranha
forneceu seu fio forte, para juntos costurarem a costa da comadre tartaruga. E
foi assim que, com a união dos amigos, a tartaruga voltou a viver e até
hoje em qualquer lugar do mundo tem o casco todo remendado.
Conto tradicional do folclore brasileiro-
autor: Luís da Câmara Cascudo
Adaptado para este site por E. Pimentel para melhor
didática da língua pátria.
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