I ATIVIDADE DE COMPREENSÃO & INTERPRETAÇÃO
Leia o texto abaixo.
A primeira passeata de um filho
O frangote despertou mais cedo que o relógio. Mal lavou o rosto. Engoliu o café queimando a língua. Enfiou no bolso uma nota de dez paus, a carteirinha de estudante, e não deu a menor bola para a mochila dos livros e apostilas. Não estava com cara de quem ia assistir às aulas de química, português e geografia.
O pai ficou na marcação. Esses filhos de hoje... - ele pensou, lembrando-se do tempo em que também era filho e cabulava a escola para ver os filmes do Cinemundi e os jogos de futebol da Várzea do Glicério.- Que folga é essa? - perguntou sorrindo.
O garoto da turma de humanas deu a resposta exata:
- Vou à passeata.
- Homessa! (Mesmo os pais modernos tem interjeições antigas.) Que besteira, menino. É assim que tudo começa. De repente dá uma confusão na praça, um corre-corre, você cai, me quebra a perna, vem um cavalo da polícia, te pisa, te amassa, tua vó vai brigar comigo. Que eu fui culpado. Você não sabe o estrago que faz um cassetete. Já vi esse filme. É melhor ficar em casa bem quietinho, lendo um livro, jogando um game, a passeata vai passar na TV. Ou estão, se não tiver nada que fazer, coce o saco. Pelo menos, não tem perigo.
Mas o pai (sujeito vivido) não falou nada. Apenas ficou com o coração aflito. Essas coisas bobas de pai. O que tem de acontecer sempre acontece. Como a primeira vez que saltou do bonde andando e se esborrachou na calçada. Como a primeira vez que tragou um cigarrinho, bituca de Aspásia*, e ficou com gosto de cabo de guarda-chuva uma semana na garganta. Como o primeiro gole de cachaça, num domingo, num piquenique no Pico do Jaraguá, e soltou o mico, vomitou até as tripas.
Mas aquela era a primeira passeata do menino.
- Mania que o Senhor tem de me chamar de menino!
A primeira passeata não é uma coisa à toa. Daqui a cem anos, quando ele crescer, for um velhinho de bengala e próstata safada, se lembrará desse dia antigo jamais esquecido. Contará aos filhos e aos netos. Roncará papo, como fazem todos os velhinhos depois dos 30. Mas agora ele não passa de um garoto franzino, camiseta de algodão, nem se agasalha o porcaria do filho, uns tênis fedidos, e metido a querer traçar seu próprio destino. É muita presunção! Até outro dia, a única vez que desfilou com o povo foi atrás da bateria da torcida do Corinthians.
- Cuidado, filho a rua tem perigos.
Mas o pai nada falou. Apenas seu coração batia. Não se pode aparar as asas de um menino (eterno menino). Deixá-lo ir, embandeirado, unir sua voz desafinada de roqueiro fracassado às vozes da cidade enfeitiçada, a qual sorri, embravecida, ao ver que ainda existe a mocidade.
No alto da passeata, o sol fulgia.
*Aspásia: Antiga marca de cigarro
EMBREVECIDO: extasiado, deslumbrado.FULGIR: Brilhar
HOMESSA: interjeição que exprime admiração, espanto,equivalente a ora essa, essa é boa.
PRESUNÇÃO: vaidade, pretensão, falta de modéstia.
Lourenço Diaféria. O imitador de gato e outras crônicas. São Paulo: Ática, 2001. p. 33
01. No trecho “Que folga é essa?”, essa fala é do (de)
(A) pai.
(B) filho.
(C) narrador.
(D) outro personagem.
(A) gazear.
(B) matar.
(C) passar.(D) vadiar.
03. De acordo com o texto, a palavra “MOCIDADE” se refere
(A) uma fase da vida humana.
(B) um estado de espírito.
(C) um período de irresponsabilidade.
(D) um estágio de vulnerabilidade
04. A finalidade do texto é
(A) mostrar as preocupações de um pai ao descobrir que o filho está deixando de ser criança.
(B) mostrar as mudanças que um jovem passa durante a adolescência.
(C) advertir o jovem sobre o perigo da vulnerabilidade que passa durante essa etapa de vida.
(D) advertir os pais sobre a liberdade excessiva concedida aos filhos.
05. O pai de imediato não aceitou a decisão do filho por que
(A) era melhor que ficasse em casa.
(B) ele podia se ferir.
(C) evitaria uma tragédia.
(D) não correria risco de vida.
06. O texto fala sobre um (a)
(A) jogo de futebol.
(B) passeio.
(C) passeata.
(D) game.
07. O pai refere-se ao filho como “franzino”, “porcaria”. Essas palavras correspondem a um desejo do pai
(A) de desvalorizar o filho.
(B) fazer com que ele desistisse da passeata.
(C) disfarçar o orgulho que ele sentia do filho.
(D) de criticar o filho.
08. No trecho “O pai ficou na marcação. Esses filhos de hoje... - ele pensou, lembrando-se do tempo em que também era filho e cabulava a escola para ver os filmes do Cinemundi e os jogos de futebol da Várzea do Glicério.” O uso da reticência no final da frase indica
(A) continuidade de uma ação ou fato.
(B) realce de uma palavra ou expressão.
(C) hesitações comuns na língua falada.
(D) citações incompletas.
FONTE: Português Linguagens (William Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães) - 9º Ano.
GABARITO
01. A; 02. A; 03. B; 04. A; 05. B; 06. C; 07. D; 08. A
Nenhum comentário:
Postar um comentário