Os diversos povos que
habitavam o continente africano, muito antes da colonização feita pelos
europeus, eram bambambãs em várias áreas: eles dominavam técnicas de
agricultura, mineração, ourivesaria e metalurgia; usavam sistemas
matemáticos elaboradíssimos para não bagunçar a contabilidade do
comércio de mercadorias; e tinham conhecimentos de astronomia e de
medicina que serviram de base para a ciência moderna. A biblioteca de
Tumbuctu, em Mali, reunia mais de 20 mil livros, que ainda hoje
deixariam encabulados muitos pesquisadores de beca que se dedicam aos
estudos da cultura negra.
Infelizmente, a imagem que se tem da África e de seus descendentes
não é relacionada com produção intelectual nem com tecnologia. Ela
descamba para moleques famintos e famílias miseráveis, povos doentes e
em guerra ou paisagens de safáris e mulheres de cangas coloridas. "Essas
idéias distorcidas desqualificam a cultura negra e acentuam o
preconceito, do qual 45% de nossa população é vítima", afirma Glória
Moura, coordenadora do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da
Universidade de Brasília (UnB).
Negros são parte da nossa identidade
O pouco caso com a cultura africana se reflete na sala de aula. O
segundo maior continente do planeta aparece em livros didáticos somente
quando o tema é escravidão, deixando capenga a noção de diversidade de
nosso povo e minimizando a importância dos afro-descendentes. Por isso,
em 2003, entrou em vigor a Lei no 10.639, que tenta corrigir essa
dívida, incluindo o ensino de história e cultura africanas e
afro-brasileiras nas escolas. "Uma norma não muda a realidade de
imediato, mas pode ser um impulso para introduzir em sala de aula um
conteúdo rico em conhecimento e em valores", diz Petronilha Beatriz
Gonçalves e Silva, membro do Conselho Nacional da Educação e redatora do
parecer que acrescentou o tema à Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional.
A cultura africana oferece elementos relacionados a todas as áreas do
conhecimento. Para Iolanda de Oliveira, professora da Faculdade de
Educação da Universidade Federal Fluminense, se a escola não inclui
esses conteúdos no planejamento, cada professor pode colocar um pouco de
África em seu plano de ensino: "Não podemos esperar mais para virar
essa página na nossa história", enfatiza. Antes de saber como usar
elementos da cultura africana em cada disciplina, vamos analisar alguns
aspectos da história do continente e os motivos que levaram essas
culturas a serem excluídas da sala de aula.
O ensino de História sempre privilegiou as civilizações que viveram
em torno do Mar Mediterrâneo. O Egito estava entre elas, mas raramente é
relacionado à África, tanto
que, junto com outros países do norte do continente, pertence à chamada
África Branca, termo que despreza os povos negros que ali viveram antes
das invasões dos persas,
gregos e romanos.
A pequisadora Cileine de Lourenço, professora da Bryant University, de
Rhoad Island, nos Estados Unidos, atribui ao pensamento dos
colonizadores boa parte da origem do preconceito: "Eles precisavam
justificar o tráfico das pessoas e a escravidão nas colônias e para isso
‘animalizaram’ os negros". Ela conta que, no século 16, alguns
zoológicos europeus exibiam negros e indígenas em jaulas, colocando na
mesma baia indivíduos de grupos inimigos, para que brigassem diante do
público. Além disso, a Igreja na época considerava civilizado somente
quem era cristão.
Uma das balelas sobre a escravidão é a idéia de que o processo teria
sido fácil pela condição de escravos em que muitos africanos viviam em
seus reinos. Essa é uma
invenção que não passa de bode expiatório: a servidão lá acontecia após
conquistas internas ou por dívidas - como em outras civilizações. Mas as
pessoas não eram
afastadas de sua terra ou da família nem perdiam a identidade.
Muitas vezes os escravos passavam a fazer parte da família do senhor
ou retomavam a liberdade quando a obrigação era quitada com trabalho.
Outra mentira é que seriam povos acomodados: os negros escravizados que
para cá vieram revoltaram-se contra a chibata, não aceitavam as regras
do trabalho nas plantações, fugiam e organizavam quilombos.
A exploração atrapalhou o desenvolvimento
A dominação dos negros pelos europeus se deu basicamente porque a
pólvora não era conhecida por aquelas bandas - e porque os africanos
recebiam bem os estrangeiros,
tanto que eles nem precisavam armar tocaias: as famílias africanas
costumavam ter em casa um quarto para receber os viajantes e com isso
muitas vezes davam abrigo ao
inimigo. Durante mais de 300 anos foram acaçambados cerca de 100 milhões
de mulheres e homens jovens, retirando do continente boa parte da força
de trabalho e rompendo com séculos de cultura e de civilização.
Nesta reportagem, deixamos de lado de propósito a capoeira, embalada
pelo berimbau; a culinária, enriquecida com o vatapá, o caruru e outros
quitutes; as influências musicais do batuque e a ginga do samba e dos
instrumentos como cuícas, atabaques e agogôs. Preferimos mostrar
conteúdos ligados às ciências sociais e naturais, à Matemática, à Língua
Portuguesa e Estrangeira e a Artes, menos comuns em sala de aula, para
você rechear a mochila de conhecimentos dos alunos sobre a África.
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