Rap da Cigarra e a Formiga (Jô Soares)
A CIGARRA E A FORMIGA
(La Fontaine)
A cigarra, sem pensar em guardar,
a cantar passou o verão.
Eis que chega o inverno, e então,
sem provisão na despensa,
como saída, ela pensa
em recorrer a uma amiga:
sua vizinha, a formiga,
pedindo a ela, emprestado,
algum grão, qualquer bocado,
até o bom tempo voltar.
"Antes de agosto chegar,
pode estar certa a senhora:
pago com juros, sem mora."
Obsequiosa, certamente,
a formiga não seria.
"Que fizeste até outro dia?"
perguntou à imprevidente.
"Eu cantava, sim, Senhora,
noite e dia, sem tristeza."
"Tu cantavas? Que beleza!
Muito bem: pois dança agora..."
a cantar passou o verão.
Eis que chega o inverno, e então,
sem provisão na despensa,
como saída, ela pensa
em recorrer a uma amiga:
sua vizinha, a formiga,
pedindo a ela, emprestado,
algum grão, qualquer bocado,
até o bom tempo voltar.
"Antes de agosto chegar,
pode estar certa a senhora:
pago com juros, sem mora."
Obsequiosa, certamente,
a formiga não seria.
"Que fizeste até outro dia?"
perguntou à imprevidente.
"Eu cantava, sim, Senhora,
noite e dia, sem tristeza."
"Tu cantavas? Que beleza!
Muito bem: pois dança agora..."
LA FONTAINE REVISITADO:
RAP DA CIGARRA E A FORMIGA
Jô Soares
Saca essa fábula, bicho,
que vai te deixar cabreiro.
Num depósito de lixo
tinha um bruta formigueiro.
O formigueiro falado,
na verdade não era mixo.
Foi só pra ficar rimado
que eu falei que era no lixo.
As formigas, ligadonas,
trabalhavam noite e dia.
Ficavam muito doidonas
plugadas nessa mania.
Podes crer, não é mentira.
Um dia uma punk louca
que se chamava cigarra
e achava que era touca
trabalhar tanto, na marra,
se meteu com a formigada
e falou, pontificando:
- Trabalhar é uma jogada
devagar, quase parando.
Coisa careta, uma fria,
bobeira que eu não assumo.
E avisou que não curtia
formigueiro de consumo.
As formigas, sem ligar,
responderam na maior:
- Se você não trabalhar,
vai acabar na pior.
A cigarra se mandou
dizendo que era besteira.
Das formigas se afastou
cantando um rock pauleira.
Só voltou quando era inverno.
As formigas, pra esnobar,
em vez de um papo fraterno,
foram se bacanear.
Disseram logo as formigas:
- Olha, se quiser guarida
vai pedir pras tuas amigas.
Nós não damos boa vida.
E a cigarra: - Eu tô na minha…
Não vim aqui pedir nada.
Só vim dizer que eu, sozinha,
fiz a Sena acumulada.
Moral: para alguém ganhar sozinho a Sena acumulada, tem que ser leão. Ou então cigarra, bicho. Enfim, bicho: bicho.
(Jô Soares. Revista Veja. São Paulo: Editora Abril, 31 out. 1990, p.17)
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Estudo do texto
1) Considerando que La Fontaine é o autor da fábula “A cigarra e a formiga”, na sua opinião, por que “O rap da cigarra e a formiga” é “La Fontaine revisitado”?
2) A expressão “formigueiro de consumo” pode ser associada a “sociedade de consumo”, uma vez que a fábula revela, pela personificação de animais, comportamentos do ser humano, suas virtudes e vícios.
a) Qual seria o papel da cigarra nessa sociedade, de acordo com o texto?
b) O que as formigas sugeriram com a expressão “vai acabar na pior”?
c) Na sua opinião, quem está com a razão: a cigarra, a formiga, ambas ou nenhuma delas? Por quê?
3) O rap é uma espécie de narrativa musical, um canto falado, em que a rima fixa o ritmo. Busque no texto exemplos de:
a) Gírias próprias do grupo ou da comunidade a que pertencem os praticantes do rap.
b) Rimas que dão o ritmo à música.
4) O narrador se dirige ao leitor algumas vezes durante o texto.
a) De que palavra ele se vale para se dirigir ao leitor?
b) Essa palavra é usada na linguagem coloquial (informal) ou na linguagem culta (formal)?
c) Com que objetivo esse recurso de se dirigir ao leitor é utilizado?
5) A moral da fábula “A cigarra e a formiga” é que os que não pensam no dia de amanhã pagam um preço alto por isso (pois a cigarra ficou sem comida no inverno, por não querer trabalhar no verão, só cantar). A idéia transmitida na moral de “O rap da cigarra e a formiga” é a mesma? Qual foi o objetivo de Jô Soares?
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