COERÊNCIA TEXTUAL
Produzimos textos
porque pretendemos informar, divertir, explicar, convencer, discordar,
ordenar, etc., ou seja, o texto é uma unidade de significado produzida
sempre com uma determinada intenção. Assim como uma frase não é uma
simples sucessão de palavras, o texto também não é uma simples sucessão
de frases, mas um todo organizado capaz de estabelecer contato com nossos interlocutores, influindo sobre eles. Quando isso ocorre, temos um texto em que há coerência.
A coerência é
resultante da não contradição entre os diversos segmentos textuais que
devem estar encadeados logicamente. Cada segmento textual é pressuposto
do segmento seguinte, que por sua vez será pressuposto para o(s) que lhe
suceder (em), formando assim uma cadeia em que todos eles estejam
concatenados harmonicamente. Quando há quebra nessa concatenação, ou
quando um segmento textual está em contradição com um anterior, perde-se
a coerência textual.
A coerência é também
resultado da adequação do que se diz ao contexto extraverbal, ou seja,
àquilo a que o texto faz referência, que precisa ser conhecido pelo
receptor.
Ao ler uma frase
como: “No verão passado, quando estivemos na capital do Ceará,
Fortaleza, não pudemos aproveitar a praia, pois o frio era tanto que
chegou a nevar”, percebemos que ela é incoerente em decorrência da
incompatibilidade entre um conhecimento prévio que temos da realidade
com o que se relata. Sabemos que, considerada uma realidade “normal”, em
Fortaleza não neva (ainda mais no verão!).
Claro que, inserido
numa narrativa ficcional fantástica, o exemplo acima poderia fazer
sentido, dando coerência ao texto – nesse caso, o texto seria a
“anormalidade” e prevaleceria a coerência interna da narrativa.
No caso se
apresentar uma inadequação entre o que informa e uma realidade “normal”
pré-conhecida, para guardar a coerência ao texto deve apresentar
elementos lingüísticos instruindo o receptor acerca dessa anormalidade.
Uma afirmação como:
“Foi um verdadeiro milagre! O menino caiu do décimo andar e não sofreu
nenhum arranhão.” É coerente na medida em que a frase inicial (“Foi um
verdadeiro milagre!) instrui o leitor para a anormalidade do fato
narrado.
COERÊNCIA DISSERTATIVA
Na dissertação
apresentamos argumentos, dados, opiniões, exemplos, a fim de defender
uma determinada idéia ou questionar determinado assunto.
Se, por exemplo,
numa dissertação, expusermos argumentos, dermos exemplos e dados
contraditórios a privatização de empresas estatais, não poderemos
apresentar como conclusão que a Petrobrás deve ser imediatamente
privatizada, pois tal conclusão estaria em contradição com os
pressupostos apresentados, tornando o texto incoerente.
Nas dissertações, a
coerência é decorrente não só da adequação da conclusão ao que foi
anteriormente apresentado, mas da própria concatenação das idéias
apresentadas na argumentação.
Você pode até não
concordar com as opiniões apresentadas por Darcy Ribeiro no texto As
Guerras do Brasil (aliás, muita gente também não concorda). Pode até
achar, como muitos, que o brasileiro é um povo cordial. Mas não há o que
discutir: Darcy Ribeiro produziu um texto coerente. A partir da tese de
que nossa história é marcada por conflitos de toda a ordem, ele nos
apresenta argumentos que estão adequados a esse pressuposto – os
conflitos violentos no Pará (Cabanagem), em Alagoas (Palmares) e na
Bahia (Canudos) – para chegar a uma conclusão que retoma a tese
apresentada inicialmente.
Na produção de
textos dissertativos, muitas vezes discutimos assuntos polêmicos sobre
os quais não há consenso. Em dissertações que discutem temas como a pena
de morte e a legalização do aborto, estão presentes convicções de
natureza ética e religiosa que variam de indivíduo para indivíduo.
Portanto, qualquer que seja a tese que defendamos, sempre haverá pessoas
que discordarão dela. O que importa em um texto dissertativo não é a
tese em si, pois como vimos as pessoas têm – felizmente – opiniões
diferentes sobre um mesmo tema, mas a coerência textual, ou seja, a
argumentação deve estar em conformidade com a tese e a conclusão deve
ser uma decorrência lógica da argumentação.
COERÊNCIA NARRATIVA
Nas narrações
atribuímos ações a personagens. Essas ações se sucedem temporalmente,
isto é, uma ação posterior pressupõe uma ação anterior com a qual não
pode estar em contradição, sob pena de tornar a narração inverossímil.
Se, num primeiro
momento, afirmamos que um determinado personagem, ao sair para fazer
compras, deixou em casa o único talão de cheques que tinha, não podemos,
em seguida, dizer que ele pagou as compras que fez com um cheque.
Teríamos um caso de incoerência narrativa: quem não tem cheque não pode
pagar com cheque.
Nas narrações, as
incoerências também podem ser decorrentes da caracterização do
personagem com relação às ações atribuídas a ele. Se um determinado
personagem é, no início da narração, caracterizado como uma pessoa que
não suporta animais, não podemos dizer em seguida, sem apresentar uma
justificativa convincente, que ele criava em casa cachorros e
passarinhos. A ação “criar cachorros e passarinhos” está em contradição
com pressuposto apresentado de que “ele não suporta animais”.
Certamente você já
deve ter assistido a um julgamento (pelo menos em filmes). Nele, juízes,
promotores e advogados tentam estabelecer a verdade dos fatos,
procurando descobrir incoerências no depoimento de acusados e
testemunhas. Se uma testemunha afirmar que, na noite de um crime
ocorrido numa rua escura da cidade, estava a duzentos metros de
distância do fato e que viu claramente que o assassino tinha olhos azuis
e bigodes e que atirou com uma arma de cabo marrom, seu depoimento não
deverá ser considerado devido à falta de coerência narrativa, ou seja,
naquelas circunstâncias ele não poderia ter visto o que disse que viu.
COERÊNCIA DESCRITIVA
Nas descrições
apresentamos um retrato verbal de pessoas, coisas ou lugares,
enfatizando elementos que os caracterizam. Se se trata da descrição de
um funeral, recorremos a figuras como “roupas negras”, “pessoas
tristes”, “coroas de flores”, “orações”, etc. Nesse caso, as figuras
utilizadas são coerentes com a cena que está sendo descrita.
Se descrevermos um
dia ensolarado de verão, não podemos afirmar que as pessoas andam nas
ruas protegidas por pesados casacos, pois essa descrição seria
incoerente, já que a figura “pesados casacos” está em contradição com o
pressuposto “dia ensolarado de verão”.
Na produção de um
filme (e também de novelas e minisséries para televisões), certas cenas,
por motivos técnicos, muitas vezes não são feitas num mesmo dia. Para
garantir que o filme não apresente incoerências, existe um profissional
responsável pela continuidade das cenas.
Imagine que num dia
começa-se a gravar uma cena em que um personagem vai ao banco pedir um
empréstimo ao gerente e que a continuidade da gravação dessa cena venha a
ocorrer no dia seguinte. Se, na primeira gravação, o personagem entra
num banco vestido com uma blusa azul, no dia seguinte ele deverá estar
vestindo a mesma camisa azul.
A função desse
profissional é impedir que haja discrepâncias na continuidade do filme.
Imagine a estranheza dos espectadores se, ao entrar no banco, o
personagem estivesse usando uma camisa azul e, ao sentar-se na mesa do
gerente, vestisse uma camisa amarela!
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